Porquê o aborto?

«Penso que não restam dúvidas sobre a minha posição enquanto mulher e enquanto médica sobre a controversa questão do aborto. Não posso, contudo, deixar de expor o meu ponto de vista neste período difícil de debate ou de esclarecimento. É enquanto cidadã consciente que me manifesto sobre um assunto que a todos diz respeito mas para o qual já existe legislação que a meu ver é adequada.

Não consigo entender este desejo tão evidente de legalizar um acto que só traz prejuízo a todos. Em primeiro lugar ao milagre que é a vida, bem tão precioso a que, pelos vistos, só alguns dão verdadeiro valor, que começa com a tão simples fusão de dois gâmetas, e que homem nenhum consegue reproduzir sem que os dois gâmetas estejam presentes. Em segundo lugar à mulher, que se priva de gerar uma vida e de dar continuidade a si mesma, e que terá para sempre a dúvida sobre o que teria sido esse filho que não nasceu. Em terceiro, ao homem que com a mulher concebe um ser irrepetível, e que é tão esquecido neste processo, nem tendo poder de decisão. Em quarto, aos avós que perdem a oportunidade de reviver a sua própria juventude, e de dar apoio ao crescimento de um neto. Em quinto, ao projecto família, núcleo fundamental da sociedade, em torno do qual giram valores morais, sociais e humanos. Em sexto, à humanidade pois ganharia um ser que poderia ser um brilhante cientista, investigador, poeta, bombeiro, médico, prémio Nobel, político, economista, filósofo, matemático, professor de renome e contribuir para o desenvolvimento do mundo. Em sétimo, à taxa de natalidade, que cai a pique cada dia que passa, com consequências drásticas para a produtividade, a jovialidade, e o sucesso do país. Em oitavo, todos os outros motivos que podemos imaginar a partir daqui.

Depois há mais uma questão importante neste referendo a que somos chamados a responder pela segunda vez: que a dita IVG seja realizada no Sistema Nacional de Saúde. Mais uma vez não percebo como podem os responsáveis deste país ignorar o facto de não se conseguirem eliminar as listas de espera cirúrgicas dos nossos hospitais permitindo que mulheres, pela sua livre vontade ou conveniência, ultrapassem os milhares de outras mulheres com cancro da mama, do intestino, do útero, …, que querem tanto viver e cuja luta contra o tempo é um tormento vivido a cada segundo que passa, só porque o tempo legal da prática da sua querida IVG está a expirar. Não posso concordar.

Pergunto eu se não seria um mais útil investimento aplicar toda esta energia na criação de novos centros de tratamento oncológico; no apoio aos jovens casais com problemas de infertilidade para que possam concretizar o seu projecto de serem pais e contribuírem com sangue novo para o nosso país; num plano de sensibilização (educação sexual) das/dos jovens para relações sexuais protegidas para que não tenham “azares”; ou ainda no incentivo financeiro à natalidade numa época em que cada vez se fazem mais contas para se poder ter filhos. E quantos não são aqueles que não possuem condições económicas para isso.

Estamos no século XXI. Não faz sentido permitir que as mulheres continuem desinformadas. Hoje o acesso a todo o tipo de informação é mais que muito e todos temos consciência disso. Não são só as classes desfavorecidas que contam para os números de mulheres que recorrem ao aborto, e a ignorância não pode ser desculpa para o aborto, muito menos a inconveniência do momento da gravidez.

Perguntam os apoiantes do sim ao aborto se achamos justo que nasçam crianças que serão decerto vítimas de maus tratos, ou que serão deixadas ao abandono. Quem lhes garante isso? Quem lhes disse que será assim? Partir desse princípio é admitir que vivemos numa sociedade de monstros e irremediavelmente insensível. Espero que não seja verdade! Não estou a fugir à triste realidade que nos invade o lar em cada notícia na televisão. Tudo isso é real, mas não estamos a lutar por uma sociedade mais generosa, mais justa, mais equilibrada? Não me parece que seja esta uma preocupação dos que defendem a liberalização do aborto, e chamemos as coisas pelo nome!

Claro que existem situações em que as dúvidas se colocam, mas essas já estão consagradas na lei existente e, portanto, nenhuma mulher que engravide na sequência de uma violação, nenhum feto com mal-formações congénitas, ou nenhuma situação em que esteja em risco a vida ou saúde da mulher grávida serão alvo de qualquer juízo e terão o direito de interromper a gravidez numa instituição pública.

Gostaria de saber qual o número real de mulheres julgadas por prática de aborto. E quantas foram presas.

Gostaria ainda de saber quantas mulheres praticaram aborto mais do que uma vez. Não estarão essas a utilizar o aborto como um método contraceptivo? Bem, para melhor esclarecimento, como métodos contraceptivos entendem-se a toma de contraceptivos orais (“pílula”), o preservativo, o diafragma, o dispositivo intra-uterino (“aparelho”), os espermicidas, e ainda a própria abstinência sexual. Estas sim são opções e não a dúvida de continuar ou não grávida, de dar ou não continuidade a uma vida, interrompendo-a, ou melhor eliminando-a.

A gravidez é o dom e o privilégio de gerar uma vida.

As minhas principais preocupações nesta discussão são o direito à vida de um ser que existe desde o dia da sua concepção e que não tem qualquer poder de decisão; a sobrecarga do Sistema Nacional de Saúde; a banalização de um acto que não tem nada de saudável para a mulher, nem física nem afectivamente; a indiferença da sociedade a um assunto tão delicado.

A campanha eleitoral está por começar mas já se nota algum nervosismo e a tentativa de manipulação de notícias que podem, mais que esclarecer, confundir. Temo que a campanha daqueles que defendem o sim não leve novamente ao virar de costas dos menos esclarecidos.

Termino como comecei, eu sou pela vida! Vou votar NÃO!!!

Katia Guerreiro Médica e Artista Lisboa, 13 de Dezembro de 2006»

Via BdN

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